terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O CAPELOBO

Quando eu era pequeno, nada me assustava mais do que estórias do Capelobo.
Na cidadezinha, sul do Maranhão, havia de fato um hábito entre os moradores de contar estórias.
Não havia TV e a cidade adormecia depois das cinco horas da tarde.
Traziam as cadeiras para a frente das casas, os vizinhos se achegavam, tranquilamente; alguns pitando cigarro, arrastando a garganta; outros sem camisa, ou camisa semiaberta no peito, aproveitando a brisa do final da tarde.
Se a conversa se prolongava, as visitas renitentes, traziam depois uma garrafa de café. Não poucas vezes o galo cantava e a conversa ainda estava em andamento.
As crianças ficavam ao redor das cadeiras, até a hora de dormir, pescando o que podiam das estórias.
Quando o assunto era o Capelobo, meus olhos arregalavam e eu buscava logo o colo do meu pai.
O Capelobo é uma espécie de monstro, que assombra as pessoas na floresta com seus gritos. Dizem que é peludo, como um macaco, mas anda como um homem.
Seus gritos podem ser confundidos com os de um ser humano. Caçadores que respondiam ao grito, como é costume na comunicação dos nativos, na verdade, atraíam o monstro.
Havia muitos testemunhos de quem avistara o Capelobo, nenhum presente. Era sempre um parente, um amigo, um conhecido, um caçador das bandas de tal ou qual região...
Os relatos eram verossímeis para uma criança, mas para os contadores de estória mais do que isso. 
Fazia parte de uma tradição na arte de mentir, confirmada e reconfirmada por todos à volta. Ninguém tinha o direito de duvidar.
E quando, no adiantado da noite, minha mãe me chamava para dormir,  já imaginava o medo que tomaria conta de mim, até que o sono profundo me roubasse a realidade.
A cada ranger das escápulas meu corpo estremecia na rede avarandada. 
Meus olhos grudados no telhado da casa imaginava o gigante peludo arrancando os arbustos e uivando penosamente na imensidão das florestas do sul do Maranhão.
E outras noites viriam, novas estórias seriam contadas, com aquela pachorra de sertanejos, cada pausa para um gole de café ou uma baforada de cigarro, apenas um trejeito para puxar pela memória.
As estórias que eu guardo hoje são névoa, perdidas no céu estrelado, onde a lua guarnecia as sombras de homens taciturnos, sentados na varanda da casa.




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