quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

AS ONÇAS

Estórias de onças sempre estão presentes nas narrativas dos sertanejos.
Bicho misterioso, cercado de lendas, compunha sempre o repertório obrigatório das conversas noturnas, embaladas em redes ou em velhas cadeiras de balanço.
Os episódios ocorriam na ambiência das fazendas, onde o bicho atacava as criações, desde a perspectiva de caçadores ou criadores. Por isso, era sempre um animal sanguinário, traiçoeiro e sujeito ao extermínio.
Para valorizar o extermínio da onça, ali estavam os caçadores especializados na arte de caçar e rastrear o felino, com seus cães heroicos e corajosos.
A onça protagonizava ataques a comitivas, comia reses e lutava com caçadores, alguns destacados pela coragem de abater a bicha à faca, em confrontos memoráveis.
Nesse tempo, a presença numerosa das onças nos arredores das propriedades era uma realidade. Ouvi muitas dessas estórias, com um certo arrepio de pânico, porque acompanhava meu pai em pescarias e caçadas.
As pescarias eram o forte do meu pai. Lembro das noites nos rios, das nuvens de insetos, dos acampamentos em dias de chuva, redes armadas nos remansos. Nessas ocasiões, a lembrança da onça me fazia assustar a cada movimento nas folhagens, a cada sussurro do vento nas palmas tatalando.
Perto dos pescadores, armava a rede para passar a noite, de olhos grudados na floresta ao lado. Tinha sempre a impressão de que a onça poderia aparecer a qualquer momento.
Uma única vez tive oportunidade de ver a onça nas minhas andanças pelo mato. Foi um encontro furtivo, mas valeu a pena. Eu e mais dois amigos andávamos numa vereda estreita, paralelamente a uma cerca de arame, que guarnecia uma pastagem. 
De repente, alguém avisou: - lá vem uma onça!!
Estacamos todos de uma vez, com olhos e boca arregalados. Longe, na nossa direção, um felino amarelo-queimado trotava sem perceber a nossa presença. Era uma suçuarana, depois vim a saber.
Sussurramos entre nós e adentramos o mato, na borda da vereda, sem tirar o olho da onça. Ela se aproximava no mesmo trote, visão baixa, até que nos pressentiu. Parou e fixou o olhar na nossa direção. Gelamos o sangue. Foram segundos em suspense. Como um raio a onça pulou para fora da vereda e ganhou o mato, desaparecendo.
Ficamos estáticos por um tempo, até recobrar o dom da fala.

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