sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

TEMPO DE CHUVA

Não há tempo melhor, quando começam as chuvas.
Em poucos dias a paisagem se transforma. Os galhos ressequidos de arbustos e árvores que hibernam brotam folhas verdíssimas.
O capim se alastra, as estradas do interior ficam enlameadas, os rios e igarapés enchem.
Quando menino, as chuvas começam por volta do dia de finados. Hoje tarda um pouco mais. É a mudança do clima. 
Era a oportunidade para tomar banho de chuva, nos beirais e na rua. Fora isso, os dias eram compridos, as chuvas intermináveis.
Da janela eu contemplava as corredeiras de água da chuva, descendo a linha das calçadas. A alternativa era fazer barquinhos de papel e vê-los descendo rua abaixo.
Os rios subiam para as casas e muita gente entrava em desespero. 
Também era o tempo das grandes pescarias, coisa que só viria experimentar um pouco mais tarde, na companhia de meu pai.
A tromba d'água trazia os cardumes de peixes, apressando os pescadores em armar redes, ao longo dos remansos burbulhentos.
No Parnaíba era comum o rio desbarrancar e acidentes ocorrerem com embarcações. Em Balsas vi a força das águas arrancando árvores pelas raízes.
Os rios intumesciam, avolumavam nos leitos, tragavam detritos e os arrastavam nas correntezas enlouquecidas.
Os acampamentos dos pescadores ficavam melancólicos, as águas do céu silenciavam os caboclos, acocorados, pitando seus cigarros de fumo de corda.
Na hora de despescar, as canoas cortavam as águas com dificuldade, mas o peixe que se debatia era graúdo, arrastado desde as cabeceiras, no fundo dos grotões mais distantes.
Esperando a hora de voltar para casa, eu olhava hipnotizado para as gotas de chuva rolando nas folhas das árvores, deitadas sobre o leito do rio.
O inverno depois me traria uma outra experiência de viajante, no mundo das rodas traçadas: a do carro atolado. Durante as chuvas, mais difícil do que manter o carro nas estradas - lisas como sabão - é saber retirá-lo da lama, com os eixos assentados, grunhindo e chiando sem forças para arrancar-se da bitola pegajosa.
E algumas vezes tive que dormir no mato, no meio dos caminhos lambuzados, atacado por insetos, até que a ajuda chegasse. Quem viajou para a região do Baixo Parnaíba, antes da chegada do asfalto, saberá do que estou falando.


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